RIO - Alguns acordes da ópera
“O Guarani”, de Carlos Gomes, e uma saudação do presidente Epitácio Pessoa.
Entre interferências e ruídos, foram estes os primeiros sons ouvidos pelas
dezenas de pessoas que testemunharam a primeira transmissão radiofônica no Brasil,
no dia 7 de setembro de 1922, durante a festa do centenário da Independência,
no Rio de Janeiro, então capital da República.
Para marcar o aniversário da
chegada do rádio ao Brasil, fomos buscar, além de quem entende do assunto,
pessoas que iniciaram a carreira na época áurea, como o pesquisador Ricardo
Cravo Albin, fundador do Museu da Imagem e do Som (MIS); o rádio ator e apresentador
Gerdal dos Santos, há 59 anos trabalhando na Rádio Nacional; a atriz,
apresentadora e ex-deputada estadual Daisy Lúcidi; e as cantoras Doris
Monteiro, coroada Rainha do Rádio em 1956; Adelaide Chiozzo, que sempre se
apresentou acompanhada de seu famoso acordeom; e Ellen de Lima, eternizada como
intérprete da “Canção das Misses”.
— Mesmo com toda a tecnologia,
não há nada melhor que o rádio. Eu, pelo menos, sou absoluto fã e devoto da Era
do Rádio — afirma Ricardo Cravo Albin.
A primeira experiência foi
transmitida pela estação de 500 watts montada no alto do Corcovado pela
companhia norte-americana Westinghouse, captada por alto-falantes instalados em
pontos estratégicos e pelos aparelhos distribuídos pelo governo em São Paulo,
Petrópolis e Niterói.
Sete meses mais tarde,
Roquette Pinto inaugurava a primeira emissora do Brasil, a Rádio Sociedade do
Rio de Janeiro.
Em seguida, vieram outras como
a Rádio Mairynk Veiga, a Rádio Educadora, além de estações em São Paulo, na
Bahia, no Pará e em Pernambuco.
Quando o rádio começou a se
espalhar pelo Brasil, o novo meio de comunicação, tão ágil, parecia colocar em
risco a vida dos impressos.
Ameaça da TV
Algumas décadas depois, em
1950, quando a TV Tupi fez sua primeira transmissão, era a vez de a televisão
ameaçar o rádio e o papel. Com o surgimento da internet, em seguida, veio a
grande crise. No entanto, como sabemos, foi uma guerra em que todos sobreviveram
e, hoje, caminham juntos. Dos tempos do rádio de galena ao minúsculo
transistor, passando pelo imponente rádio de válvulas, o veículo evoluiu,
adaptou-se e, aos 90 anos, continua sendo item essencial na vida de muitos
brasileiros.
No final dos anos 1920, o
rádio ainda era uma atividade amadora. O noticiário era copiado dos jornais do
dia. Só a partir de 1932, com o decreto do presidente Getúlio Vargas, foi
formalmente autorizada a propaganda radiofônica. Com o dinheiro, apareceram os
programas com artistas contratados.
O pioneiro foi o Programa
Casé, na rádio Philips do Brasil, a PRA-X. Ademar Casé revolucionou o rádio,
sendo o primeiro a fazer um contrato de exclusividade.
Vendeu rádio de porta em
porta, fez o primeiro jingle (Padaria Bragança, em 1932), sem falar dos
inúmeros artistas lançados por ele, como João Petra de Barros, Custódio
Mesquita e Noel Rosa.
Em 1936, com o surgimento da
Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a história começava a tomar novos rumos.
“Alô, alô Brasil, esta é a PRE-8, Rádio Nacional do Rio de Janeiro”. A frase
histórica, transmitida na voz de Celso Guimarães, marcava a fundação daquela
que se tornaria a mais poderosa rádio do país.
— A importância da Rádio
Nacional é absolutamente decisiva em relação à época de ouro. Foi ela que
impulsionou os grandes ídolos. A Rádio Nacional foi o primeiro grande fenômeno
de comunicação das massas no Brasil, sem a menor dúvida. O Programa César de
Alencar, por exemplo, tinha uma audiência fantástica: 90% dos rádios ficavam
sintonizados nele. Você ouvia o Repórter Esso numa rua, através do som que saía
de cada casa. Era um fenômeno extraordinário — analisa Cravo Albin.
Humor fundamental
Um dos fatores importantes
para a escalada da Nacional em direção à liderança foi o humor. Dois anos depois
de fundada, ela roubou da Tupi do Rio a primeira dupla humorística do rádio,
Alvarenga e Ranchinho. No humorismo, como em outros setores, a improvisação e a
capacidade de se adequar rapidamente aos temas do momento foram as chaves do
sucesso.
Os tipos comuns, trapalhões,
eram os preferidos pelos humoristas do rádio. Manoel da Nóbrega e Aloísio Silva
de Araújo, por exemplo, se notabilizaram com o “Cadeira de barbeiro”. Uma das
armas do rádio sempre foi a imaginação dos ouvintes e, graças a ela, o meio de
comunicação disseminou um dos seus gênero de maior popularidade: as novelas. No
auge, uma só emissora tinha 20 novelas diferentes no ar, em capítulos diários
de meia hora.
A primeira novela foi ao ar no
desacreditado horário das 10h30 da manhã, na Rádio Nacional. Era “Em busca da
felicidade”, adaptação de Gilberto Martins para a obra do escritor cubano
Leandro Blanco, e tinha no elenco estrelas como Ísis de Oliveira, Rodolfo
Mayer, Amaral Gurgel, Zezé Fonseca, Yara Salles e Floriano Faissal.
A novela de maior sucesso
radiofônico foi “ O direito de nascer”.
Ficou 2 anos no ar e tinha
Paulo Gracindo no papel do médico Albertinho Limonta. Fiz muitas novelas na
Nacional, na Tupi, depois fui para a Rádio Globo, na qual participei da
inauguração, que foi um momento muito especial no Brasil. Em 1952, fui para a
Rádio Nacional, a grande emissora da época. Eu era comadre do Mário Lago,
vizinha de porta. Todos os dias, ele me trazia um recado do Victor Costa, me
chamando para ir para a Nacional. Eu estava bem na Rádio Globo, mas acabei
cedendo aos apelos e fui — conta Daisy Lúcidi, que está no ar há 41, todas as
manhãs, com o programa “Alô, Daisy”, na Nacional.
As novelas geraram outro
gênero de sucesso: os seriados de aventura, uma espécie de novela para homens
que se recusavam a acompanhar os enredos românticos da época. O mais famoso,
“Jerônimo, o herói do sertão”, escrito por Moysés Weltman, contava as
peripécias de um herói brasileiro.
Fundamental para materializar
aventuras e novelas era a sonoplastia. Com os mais variados e estranhos
instrumentos, os sonoplastas criavam os sons que ajudavam o ouvinte a imaginar
a história.
— Faço questão de mostrar os
estúdios de rádio teatro, com todos aqueles recursos de sonoplastia que nós
usávamos, para as pessoas que visitam a Nacional. Tudo isso é muito
emocionante, porque o rádio, só com a voz e os ruídos, transmite tudo para o
ouvinte.
Diziam que a televisão ia
acabar com o rádio. Pelo contrário, aumentou e valorizou ainda mais o veículo —
afirma Gerdal dos Santos, que participou do programa “Consultório sentimental”,
escrito e apresentado por Helena Sangirardi e mantém, aos sábados, o programa
“Onde canta o sabiá”, homenageando artistas da Era de Ouro, na Rádio Nacional.
No rádio, quase tudo era
música e os programas começaram a construir seus mitos. Francisco Alves, o Rei
da Voz, foi um dos primeiros. Como ele, também fazem parte do primeiro time de
grandes cantores lançados pelo veículo Silvio Caldas, Carlos Galhardo e Orlando
Silva, o Cantor das Multidões. Do lado feminino, as primeiras vozes a encantar
os ouvintes foram as das irmãs Carmem e Aurora Miranda.
— O rádio é fantástico: as
pessoas não sabiam se eu era baixinha, se eu era gorda, se era loira ou morena,
as pessoas gostavam da voz. Havia mais autenticidade. As pessoas escolhiam o
seu cantor e a sua cantora. Para mim, o rádio é mais importante que televisão,
do que qualquer outro veículo — diz Doris Monteiro, intérprete de sucessos como
“Graças a Deus”, de Fernando César, e “Mocinho Bonito”, de Billy Blanco.
As muitas rainhas
Aos poucos, o cast de cantores
das rádios foi crescendo e revelando outros nomes como Dircinha e Linda
Batista. A última, coroada 11 vezes consecutivas como Rainha do Rádio. Em 1948,
ela encerrou o reinado, passando o posto para a irmã, Dircinha.
Mas foi no ano seguinte que o
concurso ganhou dimensões definitivas: numa disputa difícil, Marlene, atração
do programa Manoel Barcelos, derrotou Emilinha Borba, estrela do programa César
de Alencar e foi coroada Rainha do Rádio, com patrocínio de uma empresa
paulista de bebidas. A revanche de Emilinha só veio em 1953, quando ela se
elegeu com mais de um milhão de votos.
— O rádio foi importante para
a maioria dos que hoje existem, de uma forma mais atuante. Antigamente era tudo
ao vivo. As grandes orquestras, programas como “Um Milhão de Melodias”; “Gente
que brilha”; e “Nada além de dois minutos”, todos eram feitos ao vivo — diz
Ellen de Lima, que recentemente integrou o grupo “As Eternas Cantoras do
Rádio”, ao lado de Carmélia Alves, Carminha Marcarenhas e Violeta Cacalcanti.
Programas de calouro
representavam a chance de subir na vida e conquistar as multidões. Papel
Carbono, de Renato Murce, ficou 26 anos no ar e nele começaram a carreira
dezenas de futuros astros e estrelas da música como Baden Powell. Luiz Gonzaga,
Ângela Maria e Claudia Barroso. Adelaide, Doris e Ellen também começaram no
Papel Carbono.
— Quando minha família se
transferiu para Niterói, em 1945, o compositor Irani de Oliveira me levou para
o Papel Carbono. Fiz uma temporada na Rádio Nacional, sempre com meu acordeon,
depois trabalhei na Tupi, na Mayrink Veiga, até voltar para a Nacional, em 1948
— recorda Adelaide Chiozzo. — Acho que o rádio nunca vai morrer. Se você quiser
ouvir uma notícia, conhecer a música que está fazendo sucesso, tudo é no rádio.
Num cenário dominado por vozes
femininas, o único rei dos auditórios foi Cauby Peixoto, o mais popular cantor
brasileiro dos anos 1950. Seu esperto empresário, Di Veras, contratava mocinhas
que desmaiavam à vista do cantor ou rasgavam a roupa dele. Mas Cauby sobreviveu
ao sucesso fabricado e, ainda hoje, é considerado um dos maiores cantores da
música brasileira. (Cauby faleceu em 15/06/2016 em São Paulo - SP)
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Montagens e edição: JF Hyppólito
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