Autor de aproximadamente 190
livros, plaquetes e traduções, possui uma obra ampla e fundamental para
mergulhar no folclore brasileiro."
O Brasil não tem problemas, só
soluções adiadas". Esta frase mostra bem o universo mental do historiador,
antropólogo, advogado e jornalista potiguar
Luís da Câmara Cascudo
(1898-1996).
De sua extensa produção,
alguns livros são indispensáveis. O mais conhecido é o
"Dicionário do
Folclore Brasileiro".
Lançado em 1954, após uma
década de pesquisa, contou em sua elaboração com uma equipe informal de amigos
do autor por todo o Brasil. Embora peque nas referências bibliográficas exatas
ou acadêmicas, conquista pela quantidade e qualidade das informações. Outra
referência obrigatória é "História da Alimentação no Brasil".
Publicado em 1967, teve o patrocínio do jornalista Assis Chateaubriand, responsável
pelo financiamento das viagens de Cascudo a África, continente onde o autor
estudou as raízes de uma parte fundamental da culinária brasileira.
Gestos e charutos
As outras duas obras são de
1973. "Civilização e Cultura" focaliza a etnografia, definindo, por
exemplo, vocábulos essenciais em pesquisas nas áreas de sistemas de ideias,
conhecimentos teóricos e organização social, religiosa e estética. Fica
evidente aqui o amor do autor pelas línguas grega e latina numa busca constante
pela origem das palavras. "O vício da literatura greco-latina vacinou-me
contra as ditaduras mentais contemporâneas", comentava.
Outra importante criação é
"História dos Nossos Gestos". Trata-se de uma pesquisa diferenciada
que conta, com muitas curiosidades e detalhes, a história e a evolução de 333
gestos comuns no país. Cada um deles é visto como um elemento portador de
grande quantidade de informação e pleno de sentido cultural.
Amigo de outro grande
folclorista, Mario de Andrade, Câmara Cascudo amava seu charuto ("O
charuto é quase uma extensão do meu rosto. Este é um dos meus vícios, é vício
confessável, exibido. Um bom charuto é um prazer cotidiano, mágica fumaça
consoladora") e sua rede ("Meu pai dizia que a rede fazia parte da
família. A rede colabora no movimento dos sonhos").
Jornada pessoal e poética
Mergulhava às vezes em
silêncios demorados que a esposa definia como "uma viagem de Câmara
Cascudo a Câmara Cascudo". Nessa jornada pessoal e poética, tornou-se
referência em pesquisa de cultura popular e se aproximou dos ideais da Semana
de Arte Moderna de 1922 no sentido de preferir a observação da cultura
cotidiana do povo às imitações nacionais do universo europeu.
Foi Mário de Andrade quem, em
carta enviada em 1937, instigou o amigo potiguar a abandonar as biografias de
personalidades históricas oficiais como Solano López e o Conde D'Eu. Para o
autor de "Macunaíma", o intelectual potiguar devia se dedicar a
"escritos caídos das bocas e dos hábitos que você foi buscar na casa, no
mocambo, no antro, na festança, na plantação, no cais, no boteco do povo".
Cascudo era um observador de
detalhes. Sua percepção do cotidiano do povo brasileiro o tornou uma referência
não só do folclore no sentido de ter a sensibilidade de valorizar as lendas
populares, mas principalmente de considerar as cantorias e danças brasileiras
como expressões de um saber legítimo e fascinante.
Um professor
Filho do coronel Francisco
Cascudo, que fora inicialmente caçador de cangaceiros e, mais tarde, dono, em
Natal, RN, do jornal "A Imprensa", Luís tem um papel fundamental na
cultura brasileira na preservação de contos e histórias que recolhe e
transcreve a partir de relatos orais. É o que se vê em obras como "A
Literatura Oral no Brasil", "Contos Tradicionais do Brasil" e
"Lendas Brasileiras".
Mesmo fora do eixo Rio-São
Paulo, Câmara Cascudo ganhou um espaço ímpar na cultura brasileira. Lecionou na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que hoje tem um Instituto
de Antropologia que leva o seu nome. Embora fosse chamado de folclorista, não
gostava dessa denominação. "Faço questão de ser tratado por esse vocábulo
que tanto amei: professor. Até hoje minha casa é cheia de rapazes me
perguntando, me consultando", dizia.
Fonte:
Oscar D'Ambrósio, jornalista e
mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unesp, integra a Associação
Internacional de Críticos de Arte (AICA- Seção Brasil).