Durante décadas o sobrenome
Odebrecht foi sinônimo de riqueza e influência no Brasil. Batiza a maior
empreiteira nacional, braço de um dos maiores grupos empresariais do país. Nos
últimos dois anos, também passou a evocar o maior caso de corrupção político-empresarial
da história brasileira. Com a imagem despedaçada, executivos do grupo vêm
discutindo mudar o nome para reverter o desgaste. Surgiram sugestões como
adotar a sigla "ODB" ou criar marcas independentes para cada
subsidiária.
Antes de ser tragada pela Lava
Jato, a Odebrecht ostentava orgulhosamente o nome como uma espécie de
"Made in Germany". Em livros escritos por membros da família e na
história oficial do grupo, a origem alemã do seu fundador, Norberto Odebrecht,
sempre foi citada com destaque, como um suposto atestado de veia empreendedora
e de rigor em relação ao trabalho.
A saga brasileira dos
Odebrecht começou há 160 anos, com a chegada ao Brasil do bisavô de Norberto,
Emil Odebrecht, um nativo do vilarejo de Jacobshagen, então na parte pomerana
da Prússia (e hoje na Polônia, com o nome de Dobrzany).,
A família pode facilmente
traçar sua genealogia até o século 17. Em uma igreja ainda em pé em Greifswald,
no Estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, existe o túmulo de um Andreas
Odebrecht. A data: 1686.
Emil nasceu em 1835 em uma
família culta e próspera. Seu pai era juiz, e sua mãe vinha de uma linhagem
huguenote (os protestantes franceses). Aos 21 anos, deixou a Prússia e seguiu
para a colônia de Blumenau, em Santa Catarina. O local ainda era primitivo. Os
colonos conviviam com doenças e ataques de índios. "Aqui parece que tudo
parou no primeiro dia da Criação", escreveu o fundador Hermann Blumenau.
O jovem prussiano logo se
tornaria um dos homens de confiança de Hermann. Em 1859, foi à Europa para
estudar engenharia e cartografia na Universidade de Greifswald. Naturalizado
brasileiro, regressou e ofereceu seus novos talentos para a expansão da
colônia.
Projetou estradas, demarcou
lotes e instalou linhas telegráficas. Deixou cartas em que se queixou das
autoridades imperiais e manifestou sua desconfiança em relação aos brasileiros.
Foi também voluntário da pátria na Guerra do Paraguai. Era amigo do naturalista
Fritz Müller, que batizou uma espécie de caranguejo com o nome Aeglea
Odebrechti em homenagem ao engenheiro.
Antes de partir para a guerra,
se casou com uma imigrante de Hamburgo. Tiveram quinze filhos. Hoje, a
descendência de Emil é estimada em mais de 1.300 pessoas. Em 2006, uma
celebração em sua memória reuniu mais de 300 descendentes em Blumenau.
O ramo baiano
Vários netos de Emil se tornaram
engenheiros, entre eles Emílio Baumgart, que foi responsável pelo projeto
estrutural do hotel Copacabana Palace. Outro, Emílio Odebrecht, construiu uma
ponte na zona rural de Blumenau. A estrutura foi levada por uma enchente, e os
colonos exigiram indenização. Arruinado, deixou a região e se mudou para o
Recife. Depois, seguiu para Salvador. Nascia assim o ramo baiano dos Odebrecht.
Em 1923, fundou a empresa
Emílio Odebrecht e Cia. Era casado com a catarinense Hertha, que foi educada em
uma rígida escola para futuras mães em Greifswald, fundada no início do século
19 por uma certa Johanna Odebrecht – a instituição ainda existe.
Em 1920, nasceu o filho do
casal, Norberto, que em 1944 fundaria a Organização Odebrecht. A educação de
Norberto ficou a cargo de um pastor luterano chamado Otto Arnold, que comandava
a comunidade evangélica de Salvador. Nas aulas em alemão, o pastor repetia
conceitos protestantes, como a "saúde moral é a base para a saúde
material".
Quando a Organização Odebrecht
completou 60 anos, em 2004, os princípios éticos passados por Arnold foram
citados em vários textos elogiosos. No Senado, Romero Jucá (PMDB), um dos
políticos mais implicados na Lava Jato, disse que Norberto "seguiu a
tradição familiar germânica, em que o trabalho duro é o único caminho para a
riqueza merecida".
Em um livro, Norberto disse
que baseou a política empresarial da sua empresa nessa visão protestante e
discorreu sobre a ideia de "Bildung" (formação, em alemão). Esses
conceitos foram empacotados em um conjunto de princípios chamado
"Tecnologia Empresarial Odebrecht". No texto, Norberto disse que a
empresa "preserva o gosto e a consciência alemã com relação à
Filosofia".
A empreiteira
Mas antes da prosperidade veio
a Segunda Guerra. A construtora de Emílio sofreu com a alta dos preços de
materiais e se afundou em dívidas. Em 1941, Norberto, então com apenas 21 anos,
assumiu os negócios do pai, que voltou para Blumenau. Passou os três anos
seguintes concluindo as obras deixadas incompletas pelo pai. Em 1944, fundou
sua própria empresa: a Construtora Norberto Odebrecht, a primeira empresa da
Organização Odebrecht.
Em Salvador, Norberto
encarnava o tipo alemão nos trópicos, sempre usando terno de linho branco. Era
chamado de "doutor" pelos funcionários. Mas também se desviou da
tradição familiar e se casou com uma católica sem laços com o país europeu.
Apesar da propaganda sobre
ética protestante, "doutor Norberto" viu sua empresa decolar graças a
um ator menos espiritual: o Estado. No final dos anos 1950, tirou vantagem do
financiamento estatal que promoveu construções pelo Nordeste após a criação da
Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Também executou
os primeiros projetos para a novata Petrobras, que concentrava suas atividades
na Bahia. Ainda limitada ao Nordeste, a empresa ficou de fora de grandes obras
nacionais do período, como Brasília.
A nacionalização das
atividades só veio com o golpe militar de 1964, que impôs um regime ainda mais
ávido por grandes obras. Os militares também proibiram em 1969 a atuação de
empreiteiras estrangeiras, o que criou uma reserva de mercado para empresas como
a Odebrecht.
Segundo o historiador Pedro
Campos, autor de um livro sobre as empreiteiras e o regime, o crescimento da
Odebrecht nesse período caminhou com a expansão da Petrobras. "Quando a
Petrobras começou a crescer, a Odebrecht foi junta", disse. Em 1969,
Norberto recebeu do então presidente da petrolífera (e futuro presidente da
República) Ernesto Geisel, outro descendente de alemães, a incumbência de
construir a sede administrativa da Petrobras no Rio de Janeiro. Rapidamente a
Odebrecht virou uma favorita dos militares e dos políticos alinhados com o
regime.
Nos anos seguintes, Norberto
conseguiu obras importantes, como o Aeroporto do Galeão e a usina nuclear Angra
I. Isso mudou completamente o perfil da empreiteira. Entre 1969 e 1974, a
Odebrecht pulou do 19º para o 3º lugar no ranking das construtoras nacionais.
Com o fim do
"milagre" brasileiro e a paralisação de grandes obras no final dos
anos 1970, a Odebrecht passou a se expandir para países como Peru, Chile, EUA e
Angola. No Brasil, começou a comprar empresas de saneamento e polos químicos
privatizados nos anos 1990 durante os governos Collor e FHC.
A liderança do grupo foi
passando para os descendentes de Norberto, seguindo um rígido sistema de
sucessão familiar. Cada membro recebia uma parte do negócio, mas apenas um de
cada geração ficaria com o comando. Em 1991, Norberto passou a tocha para seu
filho, Emílio Alves Odebrecht. Em 2008, foi a vez do neto, Marcelo.
Com o tempo, o ramo baiano foi
se afastando dos menos bem-sucedidos parentes catarinenses, criando seus
próprios costumes. Se reuniam regularmente em uma ilha particular no sul da
Bahia. Lá, as gerações mais jovens assistiam a aulas de alemão, enquanto os
mais velhos discutiam negócios.
A Era Lula
Após a saída dos militares do
poder, a Odebrecht reformulou a sua rede de influência. Segundo Campos, a
relação direta com os militares e ministros deu lugar a uma aproximação com
congressistas e partidos.
Durante a devassa na companhia
na Lava Jato, investigadores descobriram o setor de "operações
estruturadas”, na prática um departamento de propinas para políticos e
funcionários de estatais, que funcionava pelo menos desde o governo Sarney
(1985-1990) e que se expandiu nas administrações seguintes, quando a Odebrecht
começou a abocanhar estatais privatizadas.
Norberto e Emílio também nunca
adotaram o alarmismo de alguns empresários dos anos 1990 em relação ao
esquerdista Lula. Emílio disse em um de seus depoimentos da Lava Jato que
conheceu o petista em 1985. Citou ainda uma frase do general Golbery:
"Lula não tem nada de esquerda. Ele é um bon vivant". Também apoiou a
campanha do petista em 2002, organizando reuniões entre Lula e empresários.
A prosperidade da Odebrecht
durante o regime militar quase foi obscurecida pela experimentada na Era Lula
(2003-2010), quando o Estado retomou a prática de financiar grandes obras. Sob
os petistas, o grupo viu o faturamento pular de 17,3 bilhões de reais em 2003
para 107,7 bilhões em 2014. Parte da expansão se deu graças a generosos
empréstimos do BNDES e grandes obras para a Copa e as Olimpíadas. Ao mesmo
tempo, segundo revelações da Lava Jato, a organização irrigava campanhas
políticas do PT e de outros partidos, inclusive da oposição.
O sistema começou a ruir a
partir de 2014, quando a Odebrecht caiu na mira da Lava Jato. Em 2015, Marcelo,
então o nono homem mais rico do Brasil, foi preso. Acabou sendo condenado a 19
anos de prisão. À época, a Odebrecht empregava 175 mil funcionários em 25
países.
Norberto não chegou a ver o
que aconteceu. Morreu aos 93 anos em julho de 2014, quando a Lava Jato ainda
não havia alcançado o grupo. Obituários destacaram sua "veia
empreendedora" e "disciplina germânica". Sua fortuna pessoal foi
estimada em 10 bilhões de reais.
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