Um dos mais importantes e
monumentais romances do século 20, foi proibido pelo nazismo e custou a miséria
para seu autor.
Robert Musil abandonou a
carreira militar para abraçar as letras, dedicando-se quase integralmente a O
Homem sem Qualidades.
Para a maioria dos alemães, o
escritor austríaco Robert Musil (1880-1942) publicou o mais importante romance
do século 20 escrito na língua germânica. Mas não sem traumas. O Homem sem
Qualidades fez seu autor entrar na lista de obras "indesejáveis e
nocivas" dos nazistas, que o enxotaram da Alemanha para a Suíça - onde
viveu anos na miséria até morrer no exílio.
Musil abandonou a carreira
militar para abraçar as letras, dedicando-se quase integralmente a O Homem sem
Qualidades. O romance lhe custou quase 30 anos de trabalho e, mesmo com suas
mais de mil páginas, ficou inacabado. Os únicos dois volumes que ele publicou
em vida, em 1930 e 1933, tiveram sucesso de crítica, mas não venderam,
principalmente o segundo - lançado durante a ascensão de Hitler ao poder.
O homem sem qualidades é
aquele que, um dia, decide abandonar as convenções e posturas sociais, ignorar
as máscaras de personalidade e os sentimentos recalcados, as falsas morais e
inteligências aceitas para mergulhar no grau zero da responsabilidade. Ele fará
tábula rasa de sua vida e crescerá da oposição ao automatismo, aos
lugares-comuns, à dormência da vida cotidiana. É o homem que vive em uma
sociedade sem qualidades e percebe na negação completa do status quo social e
do seu eu comum, que se alimenta disso - sua emergência como homem de
possibilidades.
![]() |
Robert Musil |
Ulrich, o protagonista, é um
homem mediano, sem pretensões hedonistas que justifiquem qualquer revolução
pessoal. Racional, sistemático, carinhoso, vai levando a vida sem sobressaltos
ou grandes emoções. Seu único segredo é amar sua meia-irmã - o que, ao longo do
romance, acabará se transformando no símbolo da transgressão sistematicamente
praticada como fuga da mediocridade.
Matemático bem-sucedido e
promissor com pouco mais de 30 anos, Ulrich resolve "tirar férias da
vida" durante um ano para se curar do mal-estar causado pela vida - a
história se passa no verão entre 1913 e 1914, em Viena. As tramas do livro
perdem importância quando Ulrich, depois da morte do pai, reencontra Agathe,
irmã que ele não via desde criança. Ambos deixam a cidade provinciana para
retornar a Viena, onde dividirão o mesmo lar, o amor conjugal e a busca de um
"estado de consciência".
Em um Império Austro-Húngaro
decadente, em que ter uma posição de destaque na sociedade era o objetivo
maior, ser um homem sem qualidades, reivindicar apenas a própria maneira de
viver, sem aderir a normas de conduta tidas como sagradas, representava um verdadeiro
escândalo.
Musil não faz um romance
histórico. Sua intenção é descrever e criticar os elementos centrais da
sociedade em geral. Viena é apenas uma cidade grande que vive um momento de
decadência social, à beira da guerra, cujo cenário e cuja população servem de
paradigmas do mundo moderno e símbolos de um problema universal.
Para o teórico Peter L.
Berger, Ulrich seria o protótipo do homem moderno, "um dos personagens
mais sem cara na literatura moderna". Logo, o homem sem qualidades é um
homem de possibilidades. É a falta de qualidades que lhe oferece essa
"abertura excessiva e reflexividade excessiva", que o fazem um
"homem de possibilidades". Não sendo ninguém, ele pode tudo.
Fonte: Revista Bravo!