Do Mundo Nada Se Leva, de 1938, um dos grandes filmes do diretor Frank Capra, só poderia mesmo ter sido dirigido por ele. Como é costumeiro do cinema de Capra, a moral aqui é clara como a água, repetida até dizer chega (vide também O Galante Mr. Deeds, A Mulher Faz o Homem e A Felicidade Não Se Compra, sobretudo). Hoje em dia isso seria simplesmente ruim (“falta de originalidade”, diriam os críticos), mas o estilo de Capra é tão agradável que fica quase impossível recriminá-lo pelas suas lições de moral totalmente óbvias, mesmo no tempo de seu lançamento.
Assim como a moral do filme,
vilões e mocinhos são bem definidos, não há dualidade no coração dos
personagens. De certa forma, esse é o ponto fraco do filme. Com personagens tão
fixos e previsíveis em suas ideias, o roteiro torna-se igualmente previsível. Não
há dúvida que uma lição de moral vai aflorar ao final de alguma forma, o que
faz com que o clímax do filme não seja de forma alguma inesperado. Apenas como
curiosidade, o roteiro tem origem em uma peça teatral, o que fica fácil de
identificar vendo que a maior parte dele se passa em uma sala de estar.
Falando de forma direta, Do
Mundo Nada Se Leva é, antes de qualquer coisa, uma belíssima e simples comédia
sobre uma família – os Vanderhof – um tanto quanto excêntrica (que daria inveja
aos Tenenbaums, de Wes Anderson), que vive à sua própria maneira inventando e
vendendo objetos variados à comunidade. Comédia que, de forma também simples,
satiriza elementos pertinentes à sua época, como o medo da guerra, a economia e
o próprio governo norte-americano. Chega a ser cômica e ao mesmo tempo triste a
cena em que Martin (Lionel Barrymore, esplêndido em seu papel) questiona o uso
prático dos impostos a um fiscal do governo. Este utiliza-se de rodeios e em
momento algum consegue explicar com claridade quem são os maiores beneficiários
do que pagamos todos os dias através de taxas. Como acontece até hoje no mundo
real. Há outras cenas e diálogos tão deliciosos quanto este, pois os textos são
afiados e bastante interessantes.
A única ressalva em relação
aos personagens tem origem moral. Ao ficar alheia às regras do “mundo real”, os
Vanderhof ganham sim um pouco de felicidade, mas perdem a orientação em relação
ao mundo real. Não deixa de ser uma falsa mensagem. Sim, por mais chato que
este seja, esse tal de “mundo real” existe. Querendo ou não, é simplesmente
impossível viver assim na nossa sociedade, a não ser que estejamos em uma ilha,
totalmente isolados do restante da humanidade. Outro ponto levemente negativo:
o roteiro, tentando criar personagens puros e totalmente bondosos dentro da
família, quase põe tudo a perder, apresentando situações em que estes parecem
que possuem limitações mentais, de tão alheios aos acontecimentos que são.
praticamente perfeita. Do Mundo Nada Se Leva é
um filme de situações muito bem elaboradas – moralmente duvidosas ou não – e
Capra presenteava seu público com outro trabalho absolutamente adorável e fácil
de se acompanhar, de ritmo ótimo. Não chega a ser tão vigoroso quanto A Mulher
Faz o Homem, onde os pequenos problemas deste filme aqui não existem, e os
diálogos e situações são tão deliciosas quanto as apresentadas aqui. James
Stewart tem um papel muito mais contido, pelo simples fato de haver tantos
personagens que também precisam de tempo para serem desenvolvidos. Novamente
fazendo par romântico com Jean Arthur (como no filme citado acima), ambos têm
poucas cenas juntos, mas estas estão entre os melhores momentos do filme.
Aliás, a personagem de Jean Arthur, Alice, funciona como um elo entre a família
aloprada e o “mundo real”, tendo que lidar com os dois lados. É a personagem
mais complexa do filme, e mesmo assim dona de uma simplicidade notável.
Estranho é notar que esse
filme possui muitas familiaridades com A Felicidade Não Se Compra, ter vencido
o Oscar de melhor filme e ainda assim ser bem menos comentado do que o filme de
1946. Aqui, porém, o foco é muito mais cômico, com apenas uma leve veia
dramática. Mas há muito mais originalidade e vitalidade em Do Mundo Nada Se
Leva, é um filme o tempo todo vivo, cheio de energia. Os Vanderhof têm a força
de contagiar seus espectadores, e mesmo sabendo que sua pureza moral é utópica
e só poderia existir no cinema, fica difícil não torcer pela felicidade de seus
membros. Um grande filme, uma grande comédia, imperdível a todos os amantes do
cinema.
De Frank Capra, EUA, 1938.
James Stewart (Tony Kirby),
Edward Arnold (Anthony P. Kirby), Mischa Auer (Kolenkhov), Ann Miller (Essie
Carmichael), Spring Byington (Penny Sycamore), Samuel S. Hinds (Paul Sycamore),
Donald Meek (Poppins), H.B. Warner (Ramsey), Halliwell Hobbes (DePinna),
Dub Taylor (Ed Carmichael),
Mary Forbes (Mrs. Anthony Kirby),
Lillian Yarbo (Rheba), Eddie
“Rochester” Anderson (Donald), Clarence Wilson (John Blakely), Harry Davenport
(o juiz)
Roteiro Robert Riskin
Baseado na peça de George S.
Kaufman and Moss Hart
Fotografia Joseph Walker
Música Dimitri Tiomkin
Montagem Gene Havlick
Produção Columbia Pictures.
DVD Columbia.
P&B, 127 min
Fonte Texto:
http://www.cineplayers.com