Se Che Guevara (Ernesto
Guevara de la Serna) fosse uma marca, estaria entre as mais valiosas do mundo
até hoje, meio século depois da Revolução Cubana. A imagem dele continua em
todo lugar. Por quê? Como um guerrilheiro latino-americano se transformou em El
Che, a lenda? Quem é o homem de verdade por trás do mito?
Anos 30 - Bom samaritano
O menino Ernesto tinha uma
sensibilidade distinta da dos colegas. Sempre saía em defesa dos mais fracos.
Muitas vezes voltava da escola sem o casaco, pois tinha dado a alguém que
precisava no caminho? diz o historiador argentino Felipe Pigna.
1943 - Muy amigo
Ernesto se recusou a marchar
na rua pela liberdade do amigo Alberto Granado, preso num protesto estudantil
contra a ditadura. Disse que a marcha era um gesto inútil e os estudantes
levariam uma surra com cassetetes e que só iria se lhe dessem um revólver.
1952 - Médico gente boa
Na viagem que fez com o amigo
Alberto Granado pela América do Sul, Che trabalhou num leprosário no Peru. Foi
sua estreia na medicina. Jogava bola com os leprosos e os acompanhava em
excursões pela selva. Gratos, construíram uma balsa e lhe deram de presente.
1956 - Fiel aos princípios - Melhor soldado
Foi preso no México com Fidel
e outros cubanos por posse ilegal de armas. Mas não ficou quieto atrás das
grades. Em vez de dissimular sua fé marxista, se vangloriou dela, tentando
converter os guardas. Resultado: foi o último a sair da prisão, depois de 57
dias.
Apesar da asma, foi
considerado o melhor aluno do grupo guerrilheiro treinado pelo militar cubano
Alberto Bayo no México. Disparou 650 cartuchos e conquistou a admiração do
professor. Sem dúvida, Guevara é o melhor aluno, anotou Bayo em seu livro de
memórias.
1957 - Matador frio
Durante a luta em Sierra
Maestra, Che suspeitou que o camponês Eutimio Guerra estava traindo o grupo.
Acabei com o problema dando-lhe um tiro com uma pistola calibre 32 no lado
direito do crânio, com o orifício de saída no lobo temporal direito, escreveu Che
em seu diário.
1958 - Líder exemplar
Ficava sempre na linha de
frente dos combates e não media riscos para proteger seus homens. Alberto
Castellanos, um dos soldados rebeldes, conta que Che correu em direção ao fogo
inimigo para buscá-lo de volta quando ele estava sob perigo.
1959 - Senhor da guerra
Esquadrões com 1 200 exilados
cubanos financiados pela CIA tentaram invadir Cuba pela praia de Girón, na baía
dos Porcos, esperando desestabilizar o governo de Fidel Castro. Mas a operação
foi por água abaixo: soldados treinados por Che repeliram a invasão.
1959 - Executor justo
Centenas de pessoas foram
fuziladas nos 6 meses em que Che ficou encarregado das execuções de presos
políticos. Mesmo assim, alguns consideram que ele perdoou o quanto pôde: Até
surpreende que a quantidade de execuções tenha sido tão pequena, diz Jorge
Castañeda.
1959 - Salva a lavoura
Imprimiu sua marca na lei de
reforma agrária, promulgada antes de Cuba virar comunista. O texto foi muito
além do projeto original de Fidel: proibiu o latifúndio e limitou as terras
privadas em até 400 hectares. As propriedades seriam distribuídas entre os
camponeses.
1959 - Psicopata
Mandou matar um menino de 15
anos acusado de grafitar muros com mensagens contra Fidel. Quando a mãe foi
pedir clemência, ordenou a execução imediata. Para alguns historiadores, casos
como esse mostram como foi a atuação de Che ao julgar presos políticos.
1960 - Cérebro
Virou capa da Time. A revista
americana disse: Castro é o coração da Cuba atual. Seu irmão Raúl é o primeiro
a segurar a adaga da revolução. O presidente do Banco Nacional, Che Guevara, é
o cérebro. Ele é o mais fascinante e o mais perigoso membro do triunvirato.
Anos 60 - Ditador
A revolução substituiu uma
ditadura, a de Batista, por outra, comandada por Fidel, Raúl e Che. Em 1961, o
país se tornou comunista. Milhares perderam suas propriedades e muitos fugiram
ou acabaram mortos. Por isso, hoje 20% dos 11 milhões de Cubanos vivem fora da
ilha.
1961 - Incansável
Quando se tornou um dos chefes
do governo cubano, chegava ao escritório de manhã e só saía de madrugada. Tinha
aulas de matemática, economia e russo. E trabalhava como voluntário, em tarefas
braçais, aos domingos. Ele realmente via o trabalho como diversão, diz um
amigo.
1961 - Moratória burra
Quase enfiou Cuba num buraco
financeiro quando decidiu romper com o FMI. Seu assessor Ernesto Betancourt
advertiu: se pulasse fora, o país teria que pagar ao Fundo um empréstimo de US$
25 milhões e ficaria sem um tostão até a próxima safra de açúcar. Só aí Che
voltou atrás.
1962 - Diplomacia zero
No auge da Guerra Fria, via os
EUA como inimigos. E a URSS também. Criticou publicamente os russos por não
apoiarem a industrialização da ilha. Chegou a acusá-los de cúmplices dos
americanos a maior ofensa que os soviéticos poderiam ouvir.
1962 - Estratégia suicida
A URSS instalou mísseis na
ilha, apontados para o território americano. Os EUA exigiram a retirada, e o
mundo ficou à beira de uma guerra nuclear. Os soviéticos voltam atrás. Fidel
aprovou. Mas Guevara não: queria os mísseis lá, custasse o que custasse.
1962 - Suicida mesmo!
Defendeu a guerra nuclear
dizendo que ela era necessária. Foi um pouco de excesso de oratória, talvez
dentro da tradição latina de exagerar, diz Jon Lee Anderson. Che cresceu numa
época apocalíptica, em que o assunto bomba atômica era banal. Mas exagerou
mesmo.
1962 - Plano furado
Guevara enviou o jornalista
argentino Jorge Masetti (que o havia entrevistado na Sierra Maestra) para
formar uma base guerrilheira na Argentina. A missão era preparar o terreno para
que Che então assumisse o comando. Mas o grupo foi liquidado pelo governo argentino.
Um auto-retrato na Tailândia de 1964 |
1967 - Mártir
Depois da morte, o corpo de
Che foi exposto no leito de um hospital boliviano. Com o rosto lavado pelos
soldados, a barba aparada e a cabeça na lápide de concreto, sua imagem ficou
parecida com a do quadro Lamentação sobre o Cristo Morto. Morreu o homem,
nasceu o deus.
1967 - Morte patética em 09 de
outubro
Ao levar a guerrilha para
outros cantos do mundo, se desligou da realidade. Na Bolívia, não sabia se
teria apoio popular ou condições de vencer. Não teve nenhum dos dois. E morreu
encurralado. Do ponto de vista de quem reprova Che, seu final não poderia ter
sido mais humilhante.