Totem da ousadia humana,
orgulho da engenharia náutica, colosso de 269 metros de comprimento e 46 mil
toneladas, obra-prima de 7,5 milhões de dólares, o RMS Titanic, tido e havido
como inexpugnável pelos mais insuspeitos especialistas, soçobrou em sua viagem
inaugural. Ao colidir com um iceberg, nas últimas horas do dia 14 de abril, o
navio afundou e levou consigo a vida de mais de 1.500 pessoas nas águas gélidas
do Atlântico norte. Ao choque e à incredulidade pela notícia, soma-se agora, no
rescaldo da acachapante tragédia, a ânsia pelas respostas às perguntas que não
querem calar. Como um gigante do porte do Titanic pode ter simplesmente
afundado pelo choque com um iceberg? Porque o maior e mais moderno navio de
nosso tempo não oferecia plenas condições de segurança a todos os seus
passageiros? Autoridades dos Estados Unidos e da Inglaterra já se mobilizam
para investigar as causas do sinistro e atribuir possíveis responsabilidades.
Aqui começam as interrogações.
Os especialistas não compreendem o motivo pelo qual o Titanic não alterou sua
rota, já que recebeu diversas mensagens pelo telégrafo alertando sobre a
presença de icebergs flutuantes (notadamente na região 42º Norte e entre a 49º
e 51º Oeste) na véspera da colisão. Mesmo sabendo do caminho potencialmente
acidentado na rota do majestoso transatlântico, o capitão optou por manter a
rota e a velocidade, confiando na calmaria do oceano - "o mar estava como
grama", declarou o segundo oficial, tenente Charles Lightoller - e na
observação de sua equipe na torre (que, entretanto, estava sem binóculos).
Assim, quando, às 23h40 os vigias Frederick Fleet e Reginald Lee avistaram um
grande bloco de gelo imediatamente à frente do navio, havia pouco a ser feito.
"Iceberg logo à frente!", anunciaram, em vão. O primeiro oficial,
tenente William Murdoch, ainda tentou uma manobra para desviar o navio pela
esquerda, mas não houve tempo: menos de um minuto depois, veio a colisão.
Com poucos dias decorridos do
acidente, porém, as informações ainda são desencontradas, nebulosas e não
confirmadas. O que se sabe pelos relatos dos cerca de 700 sobreviventes,
resgatados pelo RMS Carpathia horas após o infortúnio, é que o Titanic, que em
10 de abril deixara Southampton, na Inglaterra, rumo a Nova York, colidiu a
estibordo com um iceberg na região dos bancos gelados de Newfoundland por volta
das 23h40 do dia 14. No contato com a proa, a massa flutuante de gelo abriu um
rombo no casco do navio, e a água passou a jorrar para dentro dos
compartimentos à prova d'água. Cinco deles teriam sido danificados e inundados,
de acordo com o que tripulantes sobreviventes ouviram de Thomas Andrews,
projetista e construtor da Harland & Wolff (empresa responsável pela
fabricação do Titanic), que inspecionou o estrago momentos depois do
abalroamento e não sobreviveu ao naufrágio.
Apenas quando a água gelada
começou a invadir as cabines e os salões de jogos é que a irreversibilidade da
situação ficou patente. Engenheiros calculam que, uma hora após o choque, mais
de 25.000 toneladas de água tenham inundado o navio. Por volta da 1h30, a proa
estava totalmente submersa. Pouco mais de 45 minutos depois, quando todos os
botes salva-vidas já estavam ao mar, a popa inclinou-se num ângulo de 45 graus,
e o peso titânico da estrutura fez a embarcação rachar-se entre a terceira e
quarta chaminés. Às 2h20, o Titanic, pérola da White Star Line, foi
completamente engolido pelo oceano Atlântico. Era o fim do mais rico e moderno
transatlântico já concebido pelo homem - e apenas o início do martírio de seus
outrora orgulhosos passageiros.
Quando o veteraníssimo capitão
britânico Edward Smith, de volta à cabine, percebeu que sua embarcação havia
sido comprometida, imediatamente ordenou o envio de sinais de socorro - tanto
via foguetes sinalizadores quanto mensagens de S.O.S., pelos operadores do
sem-fio - e a imediata evacuação do Titanic.
Mas os 20 botes salva-vidas
presentes no navio acomodavam apenas um número máximo de 1.178 passageiros - número
que estava dentro da regulamentação inglesa para navios de mais de 10.000
toneladas, mas insuficiente para acomodar as 2.223 pessoas que estavam a bordo
do transatlântico.
Os oficiais Murdoch e
Lightoller comandaram então a distribuição dos passageiros nos botes, tendo
como diretriz a regra internacional de embarcar prioritariamente mulheres e
crianças. Por volta de 0h45 de 15 de abril, o primeiro bote foi ao mar. Dos 65
lugares disponíveis, ele levava apenas 28 passageiros. Naquele momento, muitos ainda
não acreditavam que o transatlântico novo em folha estivesse realmente em
perigo.
Dezenas de pessoas ainda
estavam no convés, e muitas lançaram-se desesperadamente rumo às águas geladas,
buscando agarrar-se a algum destroço do navio ou ser resgatado por um dos botes
salva-vidas. Poucos barcos, porém, retornaram para as proximidades do local
onde o Titanic desaparecera. Seus ocupantes temiam que a força de sucção da
água revolta pelo naufrágio, ou mesmo o desespero das pessoas tentando subir
nos botes, causassem nova tragédia. Assim, enquanto os pequenos barcos vagavam
na escuridão à espera de resgate, com cerca de 700 almas trêmulas de frio, algo
em torno de 1.510 pessoas teriam seu destino selado ali mesmo, no local do
naufrágio, a maioria absoluta morrendo em decorrência de hipotermia causada
pela temperatura da água, 2ºC negativos. No total, 80% dos homens e 25% das
mulheres feneceram. Aparece então outra indagação: por que os botes salva-vidas
não foram lançados com suas capacidades máximas? Tivesse sido esse o desfecho,
pelo menos mais 500 pessoas estariam salvas.
Ainda assim, a tragédia
poderia ter sido ainda maior caso o Carpathia, transatlântico pertencente à
Cunard Line que viajava de Nova York para Gibraltar, não tivesse captado os
pedidos de socorro do Titanic e imediatamente alterado sua rota em direção à
última posição conhecida da embarcação estreante no Atlântico. Entrou em cena,
então, o capitão Arthur Rostron. Com destreza e presença de espírito que talvez
tenham faltado aos superiores no navio da White Star Line, o timoneiro
britânico, antes mesmo de localizar o Titanic, confiou à sua tripulação uma
lista de 23 tarefas a fim de preparar o Carpathia para um eventual procedimento
de resgate dos possíveis sobreviventes do naufrágio.
O capitão ainda destacou
marinheiros para obter a identificação dos sobreviventes para enviar pelo
telégrafo e comandou a desocupação de todas as cabines dos oficiais, incluindo
a própria, para acomodar as vítimas, dispondo também das bibliotecas, salão de
fumantes e restaurantes para o mesmo fim. Navegando habilmente por entre blocos
de gelo a toda velocidade, o Carpathia chegou ao local telegrafado pelo Titanic
por volta das 4 horas. E nas quatro horas seguintes, o transatlântico recuperou
catorze botes salva-vidas. Já com o dia claro, sem esperança de encontrar novos
sobreviventes, o capitão Rostron decidiu voltar com o Carpathia para Nova York
a fim de desembarcar os sobreviventes do Titanic, que chegaram finalmente à
cidade na noite de 18 de abril.
Rostron e seu navio estavam a
50 milhas náuticas (aproximadamente 93 quilômetros) da última posição conhecida
do Titanic. A fim de percorrer essa distância no menor tempo possível, o
capitão ordenou um corte na calefação no Carpathia para que todo o vapor fosse
utilizado nos motores do navio, aumentando assim a velocidade da nave - que
chegou a incríveis 17,5 nós, três vezes e meia a mais do que sua toada regular.
Além disso, Rostron determinou que um suprimento de cobertores, roupas, comida
e medicamentos fosse reunido e ficasse à disposição dos sobreviventes, assim
como todo o corpo médico e demais integrantes do Carpathia.
No dia 16, quando ainda não se
sabia ao certo a extensão da tragédia no oceano, o político americano Willian
Alden Smith, senador republicano do estado de Michigan, consultou um dos
assessores do presidente William Taft para saber se o comandante-em-chefe
pretendia tomar alguma providência em relação ao ocorrido. Como a resposta
fosse negativa, Smith, na manhã seguinte, levou ao Senado uma proposta para que
o Comitê de Comércio da Casa investigasse o desastre, obtendo autoridade para
distribuir intimações a todas as testemunhas que pudessem fornecer alguma
informação relevantes ao caso. O projeto foi aprovado sem oposição, e Smith
ganhou a nomeação para a presidência de um subcomitê formado por sete senadores
para esquadrinhar a tragédia.
Ao lado do senador democrata
Francis Newlands, de Nevada, Smith embarcou então de imediato para Nova York.
No Píer 54, distribuiu intimações a diversos tripulantes do Titanic e a J.
Bruce Ismay. As audiências começaram no dia seguinte, no Hotel Waldorf-Astoria,
e prosseguiam até o fechamento desta edição. Até agora, mais de 60 pessoas
foram ouvidas, incluindo Ismay. O aguardado relatório final da investigação
deverá ser apresentado nos últimoss dias de maio perante o Senado. Na
Grã-Bretanha, o governo também decidiu agir. Charles Bigham, o lorde Mersey of
Toxteth, foi nomeado pelo lorde Chancellor Robert para chefiar a comissão
britânica de apuração do acidente, que contará com a ajuda de cinco
especialistas no campo marítimo-naval. As audiências estão marcadas para
começar no próximo dia 2 de maio, no Royal Scottish Drill Hall, em Buckingham
Gate, Westminster.
Cabe então aos nobres
políticos a difícil tarefa de resgatar a verdade mergulhada nas profundezas do
Atlântico.Já na manhã do dia 18, a Marinha americana contatou o senador Smith
para informá-lo de que o sistema de inteligência do departamento havia
interceptado algumas mensagens de J. Bryce Ismay, diretor da White Star Line,
indicando que o executivo - que estava entre os sobreviventes do Titanic no
Carpathia - pretendia retornar à Inglaterra sem pisar em solo americano. Ismay
também determinara que toda a tripulação do Titanic não desembarcasse em Nova
York. Alarmado, o senador Smith logo pediu uma audiência de emergência com o
presidente Taft para questioná-lo sobre a legalidade de se intimar cidadãos
britânicos. Desde que estivessem nos Estados Unidos não haveria problema,
afirmou Taft, depois de consultar o secretário de Justiça George Wickersham.