Carnaval e história da Estação Primeira de Mangueira


A Mangueira mantinha as tradições e crenças de seus ancestrais, seus batuques e seus cantos, agora abrasileirados, numa fusão de tradições de várias nações africanas, com influências indígenas e também dos brancos: afro-brasileiras. O candomblé e a umbanda tinham muitos adeptos na comunidade e alguns casebres serviam de templos. Neles eram realizadas cerimônias religiosas e outras comemorações. Os terreiros de Tia Fé, Chiquinho Crioulo, de Minan e Maria Rainha, entre outros, serviam ao sagrado e ao profano, ao som dos atabaques.

Nos Carnavais, como não podiam participar dos elegantes desfiles dos brancos, tinham seus blocos para se divertirem. Familiares, tudo com muito respeito. Mas justamente os melhores sambistas – e Mangueira já era um conhecido reduto do samba – não eram bem-vindos. Eles bebiam, falavam palavrão, se metiam em brigas e por conta disso estavam barrados nos blocos carnavalescos das famílias do morro. Para resolver o problema, criaram um bloco só de homens, o Bloco dos Arengueiros, que significa fazer arengaria, algazarra, farra, bagunça. Segundo contam, saíram pela primeira vez em 1923, vestidos de mulher, arrumando briga com todos os outros blocos que encontravam. Depois de apanharem, baterem e serem presos por cinco anos, no dia 28 de abril de 1928, decidiram unir todos os blocos de Mangueira, para desfilar na Praça Onze. Reuniram-se Angenor de Oliveira (Cartola), Saturnino Gonçalves (Seu Saturnino), Abelardo da Bolinha, Carlos Moreira de Castro (Carlos Cachaça), José Gomes da Costa (Zé Espinguela), Euclides Roberto dos Santos (Seu Euclides), Marcelino José Claudino (Seu Maçu) e Pedro Paquetá e fundaram o Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Como seu primeiro presidente, elegeram o Sr. Saturnino Gonçalves.


Por sugestão de Cartola, adotaram as cores verde e rosa, do Rancho do Arrepiado, de Laranjeiras, lembrança dos carnavais de sua infância. Recebeu o nome de Estação Primeira porque a primeira parada do trem, que saia da Estação de Dom Pedro para o subúrbio, onde havia samba, era Mangueira. Esses oito jovens que fundaram o G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, jamais pensaram que, oitenta anos depois, a Escola que fundaram não seria apenas uma Escola de Samba. Não podiam imaginar que o morro em que moravam teria uma população de quarenta e cinco mil habitantes.

Que as ações sociais desenvolvidas pela Estação Primeira de Mangueira atenderiam diariamente dez mil moradores do morro. Que uma mulher nascida ali receberia atendimento para seu filho nascer, crescer, estudar e se formar numa faculdade. Tudo gratuitamente, graças às parcerias estabelecidas com os governos federal, estadual, municipal e empresas privadas. Ou que naquela comunidade o índice de crianças analfabetas seria de 0%, pois todas as crianças em idade escolar estariam nas salas de aula e que o índice de mortalidade infantil no seu morro, nos dias atuais seria zero. Porque a Escola de Samba que eles fundaram hoje é também, UMA ESCOLA DE VIDA.

A História do Morro


Quando em 1559 tem início, oficialmente, o tráfico de escravos negros, trazidos da África para o Brasil, transportados aos milhares nos navios negreiros, os que sobreviviam às terríveis condições da travessia eram vendidos nos mercados de escravos. Numa terra estranha, separados de suas famílias e nações, misturados a outros escravos de origem e idioma diferentes dos seus, sofrendo todo tipo de maus-tratos, juravam se libertar e voltar à terra de origem. Mesmo obrigados a adotar um nome cristão e a religião do branco, mantiveram-se fiéis aos seus costumes e crenças religiosas. Para cultuar seus Orixás, usavam subterfúgios, adotando para cada entidade africana um santo católico “de fachada”. Era nas festas dos santos dos brancos que podiam fazer seus batuques e cantos africanos. Se por um lado tiveram que adotarem muitos dos costumes impostos, sua cultura africana, forte e viva, foi se infiltrando entre os brancos.

O Brasil se transforma, deixa de ser colônia, se torna reino, conquista sua independência de Portugal, mas para os negros não há o que comemorar. Continuam escravizados. O sonho da liberdade permanece. Alguns conseguem comprar sua alforria, muitos fogem. Nos fundos do terreno onde foi construído o palácio, residência do imperador – a atual Quinta da Boa Vista – eleva-se um morro, que naquela época era chamado do Pedregulho. Era lá, entre as suas mangueiras, que a cavalaria ia procurar os escravos fujões das casas do nobre bairro de São Cristóvão.

Em 1852, foram erguidos nele os postes das linhas telegráficas e o nome foi adotado, passou a chamar-se morro do Telégrafo. Quando, em 1861, foi instalado o serviço de transporte ferroviário na cidade, havia uma fábrica de chapéus, entre as estações de São Cristóvão e São Francisco Xavier, naquele terreno coberto por mangueiras.

Como o trem, fora das estações, só fazia rápidas paradas para os passageiros saltarem, o jeito era avisar o condutor que ia descer lá nas mangueiras. Quando foi inaugurada a estação, em 1889, um ano após o tão esperado fim da escravidão, seu nome só podia ser este, Estação Mangueira. Nome com que passou a ser conhecida toda a região. O nome Telégrafo permaneceu identificando uma parte do morro, que tem também as localidades chamadas de Pendura Saia, Santo Antônio, Chalé, Faria, Buraco Quente, Curva da Cobra, Olaria, Candelária e outros pequenos núcleos populacionais, que formam o complexo do Morro da Mangueira. A área do antigo palácio, que tinha ficado abandonada e se transformado num matagal, depois da proclamação da república é uma das regiões que o Prefeito da cidade resolve urbanizar, junto com o Centro. As casas em volta do 9º Regimento de Cavalaria, onde moravam muitos militares e alguns civis, tinham que ser demolidas, mas o Comandante permite que levem o material e construam em outro local. Esse lugar foi o morro da Mangueira e teve início sua ocupação.

A esse núcleo inicial vieram juntarem-se as famílias expulsas dos cortiços do centro da cidade, demolidos para dar lugar a grandes avenidas e modernas construções. Surgiu assim na Mangueira uma comunidade de gente pobre, constituída quase em sua totalidade por negros, filhos e netos de escravos, inteiramente identificados com suas manifestações culturais e religiosas.


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