Há exatos dez anos (15/05/2016 21h17 - Atualizado em 16/05/2016 12h16) São Paulo vivia um dia de medo e caos durante a onda de ataques do crime organizado contra alvos policiais. Bases da polícia, bombeiros, agentes penitenciários e policiais de folga foram atacados em ações orquestradas a partir da facção que age dentro e fora dos presídios. O dia 15 de maio de 2006, uma segunda-feira, marcou o ápice da onda de violência iniciada alguns dias antes. Naquele dia, a cidade de São Paulo parou.
O medo se multiplicou com
boatos sobre ataques a pontos de ônibus, lojas, escolas e shopping centers, a
capital ficou paralisada. O transporte público parou de funcionar e o comércio
fechou as portas. Os ônibus, que estavam sendo alvo de ataques dos criminosos,
sumiram das ruas.
As empresas liberaram seus
funcionários mais cedo. O congestionamento na cidade foi recorde: às 18h, a
Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) registrou 212 km de vias paradas,
contra média de 58 km. A marca foi recorde para o horário. As ruas ficaram
desertas.
Nos dias seguintes, uma
suposta retaliação aos ataques contra a polícia resultou na morte de civis. A
Ouvidoria da Polícia diz que 493 pessoas morreram na onda de ataques, mas até
hoje não há um número oficial de vítimas, que pode variar de 264 a 600.
Na terça-feira (10), o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Superior Tribunal de
Justiça (STJ) para a Polícia Federal (PF) investigar uma chacina com quatro
mortos ocorrida no Parque Bristol, na Zona Sul da capital, no dia 14 de maio
daquele ano. O caso foi arquivado pelo Ministério Público de São Paulo pela
ausência de provas, segundo a Procuradoria-Geral da República.
Mães de vítimas de ataques em
Santos também entraram com pedido junto à PGR pela morte de 11 jovens por
supostos grupos de extermínio. Diante da demora no pedido de federalização, a
Defensoria Pública e a ONG Conectas Direitos Humanos encaminharam denúncia à
Organização dos Estados Americanos (OEA) em 2014. O objetivo é que a comissão
interamericana analise o caso e puna o Brasil.
A Secretaria de Segurança
Pública de São Paulo afirmou que as mortes foram investigadas corretamente e
que "não há como reabrir o caso sem novas provas". O Ministério
Público de São Paulo afirmou que também vai se manifestar contra a
federalização do inquérito.
Policial sobreviveu a 11 tiros.
Quem viveu aqueles dias de
pânico não esquece. "Para mim, não foi há dez anos. Para mim é como se
fosse hoje. Eu lembro como se fosse hoje, não sai da cabeça, não esqueço”,
disse ao G1 o soldado reformado Carlos Alberto Oliveira, de 59 anos. “Está na
mente, faz parte de mim aquele dia." Ele sobreviveu a 11 tiros que levou
de oito bandidos que o cercaram quando ele saía com a família de uma igreja em
Santos, no litoral paulista.
O soldado foi baleado no
rosto, no peito, nos braços, nas pernas, na barriga nas costas. "Pensei
que não teria mais movimentos, o próprio andar, praticamente troquei meu sangue
todo, tive três paradas cardíacas, perfurei os pulmões, o intestino."
Oliveira ainda carrega três projéteis no corpo, um no rosto e dois próximos da
coluna vertebral. A filha de dois anos foi baleada na perna e também
sobreviveu.
"Eu perdi um policial da
cavalaria chamado Vander", relata o tenente-coronel da PM, Alberto
Sardilli. "Ele era professor de artes marciais e foi morto pelo crime
organizado dentro da academia onde trabalhava." Na época dos ataques,
Sardilli era capitão da Polícia Militar (PM). "Assim como toda a sociedade
de São Paulo, fomos pegos com uma certa surpresa. No meu nível do conhecimento,
eu não tinha conhecimento de absolutamente nada, como capitão. Eu comandava a
3ª companhia e até então era uma situação corriqueira, na normalidade",
disse.
Ordem foi ir para cima', diz
ex-delegado da polícia.
Os ataques do crime organizado
começaram depois que o governo de São Paulo iniciou a transferência integrantes
de uma facção criminosa para uma penitenciária de segurança máxima, na véspera
do Dia das Mães. As ordens da facção aos integrantes que estavam do lado de
fora das penitenciárias, principalmente aqueles que deviam favores, foram de
atacar bases policiais e matar policiais militares, policiais civis, bombeiros
e guardas civis. Se não fizessem, seriam mortos pela própria organização.
Dez anos após a onda de
violência que tomou São Paulo, o ex-delegado-geral da Polícia Civil, Marco
Antonio Desgualdo, admitiu que ordenou aos policiais para irem “pra cima” dos
criminosos que estavam atacando as forças de segurança e matando policiais
civis e militares nas ruas do estado entre 12 a 20 de maio de 2006.
“A polícia contra-atacou. A
polícia fez prisões, muita gente foi presa, houve confrontos, muita gente
também morreu. Na polícia civil, foram seis policiais”, disse Desgualdo ao G1,
que determinou a seus subordinados a reação: " A ordem foi ir pra cima.
Você tinha que apagar a fogueira. A polícia deu a resposta”, justificou o
ex-delegado-geral.
Questionado se houve excesso
por parte dos policiais, Desgualdo respondeu que pode ter ocorrido em situações
pontuais. "Um ou outro caso talvez. Mas excesso de uma maneira geral não
houve. Houve um contra-ataque dentro dos limites."
Denúncias chegaram à Ouvidoria
da Polícia sobre grupos de extermínio formados por policiais à paisana,
encapuzados em carros e motos, dispostos a matar quem já teve passagem
criminal, como uma maneira de vingar as mortes dos colegas e dar um recado a
facção. Segundo o ouvidor Júlio Cesar Fernandes Neves dos 493 assassinatos
analisados pelo órgão em maio de 2006, 89 mortes apresentaram indícios de
execução.
“Houve várias mortes de
policiais naquela ocasião. E, a partir daquelas mortes, houve uma retaliação
por parte, na época, da polícia do estado de São Paulo”, disse Neves.
O Ministério Público (MP)
denunciou à época aproximadamente 30 pessoas por assassinatos, entre membros da
facção e agentes públicos, de acordo com o procurador Marcio Christino,
promotor em 2006. “Foi uma coisa pontual naquele momento”, respondeu o
procurador ao G1 ao ser indagado sobre a suspeita de que policiais cometeram
execuções.
A Promotoria denunciou dois
policiais militares por assassinato. Eles acabaram condenados pela Justiça, mas
não foram presos e recorrem das decisões em liberdade.
Crimes não foram esclarecidos,
dizem Mães de Maio.
Continue a leitura e assista
os vídeos na fonte G1.Globo.com http://g1.globo.com
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